Preco

Presunto e Queijo

Lembrei dum acidente de bicicleta (sim, foi legal, foi nostálgico) que eu sofri.. porra, devia ter uns 8 anos.

Eu fui no mercado Odival, que ficava ali perto do Dino's Bar (acho que ainda existe isso), comprar presunto e queijo pra mãe fazer a famosíssima pizza de presunto e queijo, que só ela sabia fazer.

Era uma tarde de sábado, igual essa em que eu estou escrevendo agora.

Eu peguei minha Caloi Cross, vermelha, banco verde limão, lindona, novinha (mais tarde, trocaria essa mesma bicicleta por 12 cartuchos de Nintendo 8 bits) e fui no mercado, pela ciclovia. Cheguei lá, pedi presunto e queijo pro moço (que creio ser o Sr. Odival). Ele pegou a peça de presunto e fatiou na minha frente, naquelas máquinas de fatiar, vermelhas, lindas, cromadas e tal. Fatiou cerca de 300 gramas. Depois foi o mesmo com o queijo prato. Queijo prato era pra ocasiões especiais, nunca comíamos queijo prato. Sempre foi o Mozzarela (ou muçarela, pros íntimos). Queijo prato tinha sabor de festa, sabor de coisa fora do normal...

Paguei-o, coloquei o saquinho com o queijo e o presunto no guidom da Caloi Cross. E saí pedalando, primeiro atravessando a avenida, vazia naquele tempo, depois em direção à ciclovia, e por fim, pra casa.

Quando faltava uma quadra pra eu chegar em casa, e entregar o queijo e o presunto, um carro para na minha frente, na rua que corta a ciclovia. Conseguiria tranquilamente frear a minha Caloi Cross, com seu freio traseiro possante, 2 pastilhas, não fosse o fato de no lugar desse freio estar justamente a sacolinha, com os 300 gramas de presunto e de queijo. Na outra mão, a do freio dianteiro, eu segurava com força o troco - um punhado de cédulas e moedas, que não poderia perder de jeito nenhum, naquela responsabilidade cega dos tempos de moleque - e guiava usando o finzinho da palma da mão.

Optei então por tentar desviar do automóvel, e ir em direção a um muro de concreto, daqueles fininhos, pré-fabricados. Guiei a bicicleta para lá, com uma mão e uma palma, e esperei pelo pior. Por sorte, o impacto foi bastante amortecido pelo pneu dianteiro, e não sofri nada mais grave, além de um arranhado no cotovelo e uma dor chata no baixo ventre, que havia se chocado com o guidom da minha Caloi Cross vermelha.

Cheguei em casa, chorando ainda, entreguei a sacolinha suja de graxa (porém o presunto e o queijo intactos, dentro daqueles saquinhos plásticos transparentes) e o punhado de dinheiro, completamente amassado, e fui para o meu quarto. Lá pelas 8 da noite, minha mãe chama, mostrando a recompensa quente e cheirosa, pelo meu ato de bravura...

Hoje já não existe mais a minha Caloi Cross vermelha, não existe mais avenida vazia, não existe mais mureta de concreto pré-fabricada, não existe mais pizza caseira de presunto e queijo. Não tenho mais o direito de chorar e ir pro meu quarto, não tenho mais o direito de correr pros braços da minha mãe quando acontece alguma merda, e não há mais recompensas quando se faz algo direito, por pior que tenha sido o sacrifício.

Uma vez, minha avó disse "aproveita, é um tempo que não volta mais".

A mocinha da ponte

Uma garota com seus 19, 20 anos atravessa a ponte.

Seus predicados, muito modestos, não chamariam a atenção de ninguém: Olhos negros, cabelos castanho-escuros naturalmente ondulados, uma regata listrada sobre um tronco magrelo e sem jeito. Uma calça jeans de cintura baixa, com a barra arrastando no chão. Sandália de tiras brancas, apertando a parte de cima do pé em dois lugares.

Devia estar pensando na vida, pois vinha cabisbaixa; vinha a passos miúdos, como se os contasse.

O sinal abre, os carros passam. Numa Fiorino velha estão dois homens. O motorista posiciona o automóvel ao lado da nossa heroína, enquanto o colega põe a cabeça para fora da janela.

"Nossa Senhora, hein?"

O carro passa. Os carros passam. As outras pessoas passam. A moça sorri largo, de orelha a orelha, sem a mínima pretensão de disfarçar a felicidade que enchia-lhe as entranhas.

Oslo

Um sonho muito estranho. Um vídeo choca o mundo: Numa floresta norueguesa, um carro amarelo. Dentro do carro um pai e seu filho. A mãe filma. Eles cantam e dançam.

Esse é o início de um crime que tornou todos no planeta menos humanos. A repórter do plantão de tv está em choque ao dar a notícia. No Vaticano, fumaça preta em luto. Cardeais desconcertados lacrimejam.

O vídeo revela o ocorrido, mas não tenho coragem de ver, tal a reação exacerbada da população e o medo do fim da inocência.

Cara amassada

Somos a geração que assiste a história acontecendo, enquanto cochila no sofá de uma casa alugada pelos pais, que nos dá a falsa sensação de independência que precisamos para nos sentirmos satisfeitos.

Pay-per-view

Trabalho
Televisão
Sono
Trabalho
Sexo
Sono
Trabalho
Televisão
Sono
Trabalho
Futebol
Sono
Trabalho
Televisão
Sono
Trabalho
Televisão
Sono

Essa é a vida no mundo onde as pessoas são invisíveis a si mesmas.

Dia de graça

Prometeu suicidar-se assim que algo terrivelmente ruim atrapalhasse sua vida, de tal maneira que fosse quase impossível colocá-la de volta nos trilhos.
Foi encontrado enforcado, com uma capa de chuva.

Nada ainda

"Tchau, meu amor, mamãe já volta". Beijou a filha e foi para a rua, torcendo para que a chuva não molhe o cabelo. Torcendo para voltar.